A Ministra da Cultura, Graça Fonseca, lamenta profundamente a morte da artista Lourdes Castro (1930-2022), cuja vida e obra, em permanente diálogo e complemento, representam um contributo incontestável para a cultura portuguesa e ocupam um espaço insubstituível na história de arte, tanto portuguesa, quanto mundial.
Natural do Funchal, e tendo estudado pintura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, Lourdes Castro iniciou o seu percurso artístico em finais da década de 1950, manifestando desde muito cedo aquelas que seriam as suas características mais evidentes: uma abordagem multifacetada, não conforme, inovadora, com recurso a técnicas e processos muito próprios e que mostram a sua profunda sensibilidade face à impermanência e a atenção particular com que o seu olhar artístico se relaciona com o mundo.
Em 1957, juntamente com René Bertholo, Costa Pinheiro e outros artistas jovens partiu para Munique, tendo-se fixado, no ano seguinte, em Paris, onde participou na fundação da revista KWY (1958-1963), publicação que reuniu um conjunto heterogéneo de artistas e que representou um momento fulcral para a internacionalização das artes plásticas portuguesas, com a adoção de novas técnicas e linguagens que agitaram e mudaram significativamente o panorama artístico nacional.
Tendo exposto em todo mundo e com uma obra amplamente representada em grandes coleções de arte mundiais, nacionais e estrangeiras, públicas e privadas, como o Victoria and Albert Museum, de Londres, o Museu de Arte Contemporânea de Belgrado, a Coleção de Arte Contemporânea do Estado, a Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea e o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Lourdes Castro construiu, com as suas inconfundíveis sombras ou os seus livros de artista, algumas das peças mais emblemáticas e imediatamente reconhecíveis da arte contemporânea portuguesa.
Paralelamente ao seu trabalho artístico, importa também sublinhar a relevância cultural, histórica e documental do seu trabalho arquivista, que cuida dos documentos, das obras, das fotos, da correspondência com tantos artistas, críticos, curadores, agentes da cultura mundial desde os anos 50 até hoje, e que representam um outro testemunho do seu percurso e do seu impacto. Esta forma de preservar a vida e o quotidiano foram também obras maiores de uma artista que nunca deixou de dar atenção ao aqui e agora.
Num percurso amplamente reconhecido, tanto pelos seus pares como pela crítica, e muitas vezes destacado e premiado, Lourdes Castro foi distinguida, em dezembro de 2020, com a Medalha de Mérito Cultural num gesto do Governo português que veio fazer justiça e dar forma pública a uma homenagem há muito devido a uma artista maior da cultura portuguesa.
Com um perfil subtil e tímido, a obra de Lourdes Castro marcou de forma indelével a história da arte contemporânea portuguesa. Desde finais dos anos 50 e ao longo de muitas décadas, a artista perseguiu uma poética da sombra, na sua despojada dimensão estética e existencial, buscando nos seres e nos objetos que faziam parte da sua vida o auxílio necessário à tarefa infinita de reunir todas as sombras, contrastes e matizes que a inspiravam.
Multidisciplinar e experimentalista, do objetualismo reciclado à materialização diáfana da sombra, Lourdes Castro deixa-nos uma obra ímpar, com um perfil cósmico que nos acompanha e acompanhará ao longo das nossas vidas.
À família e amigos enviam-se sentidas condolências.
Graça Fonseca