Duas novas carreiras distintas, remunerações base mais altas e um novo suplemento de disponibilidade: estas são algumas das alterações ao Estatuto dos Oficiais de Justiça previstas na proposta que o Governo apresentou às estruturas sindicais, honrando assim o compromisso assumido. Saiba tudo o que muda (e o que não muda).
1. O que muda com o novo Estatuto dos Oficiais de Justiça?
A proposta apresentada pelo Governo reorganiza o trabalho deste grupo de profissionais em duas novas carreiras distintas - carreira especial de técnico de justiça e carreira especial de técnico superior de justiça - de forma a reconhecer a importância de cada uma, dando maior relevância às suas especificidades, e promovendo uma melhor distribuição e especialização de funções dentro das secretarias dos tribunais.
Prevê-se também a revisão das remunerações base das duas carreiras e dos cargos de chefia, que representa num enorme investimento do Governo nos oficiais de justiça.
A proposta tem como prioridade a dignificação e valorização das funções, com especialização das carreiras, melhorando o funcionamento da justiça e a qualidade do serviço.
2. De que forma é valorizada a remuneração destes profissionais?
A revisão das remunerações base das duas carreiras e dos cargos de chefia, bem como o novo suplemento de disponibilidade traduzem um enorme investimento do Governo nos oficiais de justiça.
A proposta contempla uma valorização da tabela de remunerações e cria ainda um suplemento de disponibilidade de 20% a 12 meses, em substituição do atual suplemento de recuperação processual (SRP) de 10% a 11 meses, muito acima das reivindicações dos sindicatos que defendiam o pagamento do SRP a 14 meses.
Com o pagamento do suplemento de disponibilidade de 20% a 12 meses, os oficiais de justiça em funções terão um aumento na sua remuneração anual entre 1121,69€ e 3768,69€, conforme a posição. Trata-se de uma valorização superior à reclamada pelos sindicatos, que reivindicavam valorizações salariais anuais entre os 862,84€ e os 2 898,99 € com a integração do SRP a 14 meses.
Se tivermos em conta a remuneração mensal, os atuais oficiais de justiça passarão a receber, nos 12 meses em que há lugar a pagamento de suplemento de disponibilidade, entre 1035,41€ e 3 478,79 € (ou seja, entre mais 86,29€ e 289,90€ do que recebem atualmente nos meses com SRP).
Comparativamente com as carreiras gerais da Administração Pública, na posição remuneratória de ingresso, os oficiais de justiça passam a receber uma remuneração base correspondente à terceira posição da tabela de assistente técnico. No caso da tabela remuneratória dos técnicos superiores de justiça, na posição remuneratória de ingresso, o oficial de justiça receberá acima da segunda posição remuneratória da tabela de técnico superior.
Nas novas tabelas, na posição remuneratória de ingresso como técnico de justiça, que atualmente corresponde a 862,84€ mensais, o oficial de justiça passará a receber de base 964,92€, que corresponde já à terceira posição da tabela de assistente técnico, o que, com o suplemento de disponibilidade, significa que nos respetivos 12 meses auferirá cerca de 1.157€.
Na posição remuneratória de ingresso como técnico superior de justiça, o oficial de justiça receberá 1385,99€, que é superior à segunda posição remuneratória da tabela de técnico superior, o que, com o suplemento de disponibilidade, significa que nos respetivos 12 meses auferirá cerca de 1.663€.
O topo da carreira, que corresponde à última posição remuneratória da carreira de técnico superior de justiça, auferirá, com suplemento de disponibilidade, cerca de 4144,50€, muito acima da última posição do atual secretário de tribunal superior, que é de 2898,99€.
A tabela dos técnicos justiça terá 10 posições remuneratórias e a dos técnicos superiores de justiça terá 13 posições remuneratórias.
As chefias, em regime de comissão de serviço, recebem de base, respetivamente, 2122,84€ e 2916,89€, a que acresce ainda 20% de suplemento de disponibilidade a 12 meses.
Os Oficiais de Justiça beneficiarão ainda das medidas constantes do Acordo Plurianual de Valorização dos Trabalhadores da Administração Pública.
3. O que não muda com o novo Estatuto dos Oficiais de Justiça?
A proposta entregue pelo Governo mantém todos os direitos especiais dos Oficiais de Justiça, que não se aplicam à generalidade dos trabalhadores da Administração Pública.
A saber:
- Pagamento das despesas de deslocação entre residência e local de trabalho;
- Possibilidade de concessão de até 6 dias de dispensas de serviço;
- Direito a tantos dias de descanso quantos os de prestação de serviço de turno em dia feriado;
- Passagens aéreas para trabalhadores das Regiões Autónomas;
- Pagamento do subsídio de fixação aos oficiais de justiça colocados nas comarcas periféricas.
4. Como se fará a transição dos atuais oficiais de justiça?
A transição dos atuais oficiais de justiça para as novas carreiras será realizada da seguinte forma:
- No momento da transição, todos os trabalhadores que atualmente integram as categorias de secretário de tribunal superior, secretário de justiça, escrivão de direito e técnico de justiça principal passarão a integrar a carreira de técnico superior de justiça.
- Os trabalhadores que atualmente integram as categorias de escrivão-adjunto, técnico de justiça-adjunto, escrivão auxiliar e técnico de justiça auxiliar passarão a integrar a carreira de técnico de justiça.
5. Será possível a um trabalhador que transitou para a carreira de técnico de justiça aceder à carreira de técnico superior de justiça?
Sim. Os técnicos de justiça licenciados em área jurídica poderão concorrer aos lugares de técnico superior de justiça, nos movimentos subsequentes à entrada em vigor do novo Estatuto, sendo-lhes dada a garantia de que não serão abertos ingressos a outros trabalhadores fora das carreiras de oficial de justiça até que todos tenham tido a oportunidade de, querendo, concorrer.
Os técnicos de justiça que venham a licenciar-se após a entrada em vigor do diploma poderão simplesmente candidatar-se à carreira de técnico superior de justiça, sem sujeição a autorização prévia da Direção-Geral da Administração da Justiça.
Os técnicos de justiça que, sem licenciatura em área jurídica ou em qualquer outra área, pretendam aceder à carreira de técnico superior da justiça poderão ainda realizar uma formação em matérias jurídicas realizada pela Direção-Geral da Administração da Justiça, e concorrer aos lugares de técnico superior de justiça durante 10 anos.
Pretende-se, assim, dar oportunidade a todos os atuais oficiais de justiça de, caso tenham a perspetiva de carreira de progredir nas funções desempenhadas, à semelhança do que aconteceria atualmente (sendo promovidos, após realização de formações e provas), manterem essa possibilidade, preenchidas determinadas condições.
6. Quais são as mudanças propostas para as funções de liderança e gestão?
Existirá uma autonomização dos cargos de chefia, que serão assegurados por técnicos superiores de justiça, mas sem que as funções de liderança e gestão sejam inerentes ao exercício das suas funções. Os cargos de chefia serão ocupados apenas por aqueles que desejarem seguir este caminho, ao contrário do que acontecia até hoje, e serão exercidos em regime de comissão de serviço.
O Estatuto prevê dois cargos de chefia distintos, como resposta à reorganização judiciária de 2013, visto que, atualmente, as unidades territoriais associadas às comarcas e às zonas geográficas dos tribunais administrativos e fiscais têm uma dimensão considerável.
Assim, exige-se uma nova definição das responsabilidades atribuídas às chefias, adequadas à área territorial de exercício das suas competências:
- Os escrivães principais coadjuvarão o administrador judiciário, ao nível de todo o tribunal;
- O escrivão coordenador será o responsável direto por chefiar uma unidade orgânica (ou mais do que uma, se forem de reduzida dimensão).
Este modelo dual de chefia permitirá uma maior racionalização dos recursos humanos disponíveis, um novo investimento na gestão eficiente dos tribunais e uma flexibilização adaptada à realidade de volume processual e de abrangência territorial de cada unidade ou tribunal.
7. Qual o impacto esperado desta revisão no funcionamento dos tribunais?
A revisão do Estatuto dos Oficiais de Justiça foi entendida como uma oportunidade de redesenhar o modelo de trabalho nos tribunais, com base em dois grandes objetivos: reforçar e dignificar as funções dos oficiais de justiça e implementar novos métodos de gestão e de liderança.
Esta proposta enquadra-se numa visão global estratégica que visa a transformação da Justiça para responder melhor ao cidadão e contribuir para o desenvolvimento económico-social do país.
Na base desta transformação estão as pessoas, essenciais num processo de transformação da Justiça, que implica a mudança das práticas de trabalho, de gestão, de liderança, dos processos e dos procedimentos e, ainda, a orientação para o acompanhamento de resultados, assente na transparência.
Reconhecendo a necessidade de reforçar os meios humanos nos tribunais, o Governo lançou, no início deste ano, um concurso para a contratação de 200 oficiais de justiça. A 1 de setembro, 175 novos profissionais foram colocados, e foram já desencadeados os procedimentos necessários para lançar um movimento extraordinário que permita aos candidatos potenciais, graduados, serem colocados nas vagas sobrantes. Também em setembro foram concretizadas as promoções de 561 oficiais de justiça.
Ao investimento nas pessoas soma-se o investimento em tecnologia, que se vai traduzir na implementação de um conjunto de ferramentas de apoio ao trabalho das secretarias dos tribunais e dos seus profissionais, que passam a poder concentrar-se em tarefas especializadas e de maior valor acrescentado. No âmbito do PRR, está em curso o maior investimento de sempre nos sistemas tecnológicos da Justiça.
Até 2026, serão investidos mais de 100M€ no reforço e modernização dos sistemas dos tribunais, estando já contratualizados ou em fase de contratualização procedimentos no valor de 18M€. Estão em desenvolvimento novas interfaces para cada um dos intervenientes na justiça – juízes, procuradores, mandatários e secretarias – e, até ao final do ano, vão chegar aos tribunais 1.000 novos computadores, que se somam aos 7.000 instalados nos últimos anos.
Também com o foco na melhoria das condições de trabalho de todos os agentes da justiça e da resposta do sistema às pessoas e às empresas, está em marcha um investimento superior a 200M€ nas infraestruturas e equipamentos da Justiça, no quadro da aprovação do Plano de Investimentos para a Justiça 2023-2027.