Portugal e a Ucrânia assinaram um acordo para a concessão de apoio financeiro de 250 milhões euros, «respondendo ao pedido do governo ucraniano», no final de uma reunião de trabalho do Primeiro-Ministro português, António Costa, com o Primeiro-Ministro ucraniano, Denys Shmyhal, em Kiev.
«Formalizámos este importante compromisso através da assinatura de um acordo de cooperação financeira», disse António Costa, referindo que 100 milhões serão transferidos ao longo deste ano através de uma conta da Ucrânia no Fundo Monetário Internacional ou por outros canais que a União Europeia venha a abrir para financiamento direto, e 150 milhões de euros serão transferidos para o Estado ucraniano ao longo dos três próximos anos.
«Este foi um acordo que tinha
acertado com o Primeiro-Ministro ucraniano na reunião que com ele tive por videoconferência há algumas semanas. A Ucrânia tinha solicitado este apoio financeiro ao Estado Português e tivemos a oportunidade de negociar e acertar a temporalidade para a transferência destes recursos», disse.
Este «muito volumoso» auxílio financeiro «visa financiar as necessidades do Orçamento ucraniano» e «soma-se a outros apoios que Portugal tem dado de equipamento militar, humanitário, de sanções à Rússia, ou relativamente às aspirações europeias da Ucrânia», disse ainda.
A reunião com o Chefe do Governo ucraniano foi precedida da uma reunião e conferência de imprensa com o Presidente da República, Volodymyr Zelensky, durante a qual discutiram «as necessidades imediatas da Ucrânia, olhando já para a reconstrução», escreveu António Costa no Twitter.
Apoio político
O Primeiro-Ministro afirmou que a opção europeia da Ucrânia deve ser acolhida «de braços abertos» e classificou Volodymyr Zelensky como «um líder que inspira o mundo», representando «uma grande lição e um exemplo de coragem e de notável resistência» perante a «brutal e barbara» agressão militar russa.
«Tal como o Presidente Zelensky disse, estamos geograficamente distantes, mas portugueses e ucranianos são dois povos próximos – uma proximidade que começa, desde logo, pela grande contribuição da comunidade ucraniana para o desenvolvimento de Portugal ao longo das últimas décadas».
Por isso, «também integrámos facilmente aqueles que nas últimas semanas tiveram de pedir proteção internacional». «Acolhemos os ucranianos com todo o gosto, mas com a firme determinação de apoiar a Ucrânia a vencer a guerra, a ganhar a paz e criar as condições para que todos os que desejam regressar à Ucrânia o possam fazer logo que possível», disse.
União Europeia
O Primeiro-Ministro anunciou que Portugal vai dar apoio técnico à Ucrânia para o seu processo de adesão à União Europeia, para o que o chefe de gabinete adjunto do Presidente Volodymyr Zelensky se deslocará a Lisboa, em junho.
António Costa sublinhou que a posição diplomática de Portugal na União Europeia se caracteriza pela defesa da negociação em assuntos complexos. «Portugal nunca tem a posição do não. Portugal tem sempre a posição do "vamos lá encontrar um ponto de entendimento" entre os 27» Estados-membros, no caso, quanto à adesão da Ucrânia.
Disse ainda que o Presidente Zelensky, quando pediu a adesão, «conhecia profundamente qual a realidade da União Europeia e sabia bem quais as dificuldades que a própria União Europeia tem dentro da sua casa».
«Temos de trabalhar para ter uma atitude positiva, valorizando o que é essencial: o destino da Ucrânia é a Europa. A União Europeia tem conseguido superar as suas divisões e responder de forma unida; e temos de acarinhar a todo o custo essa união. O pior que a União Europeia poderia fazer à Ucrânia era dividir-se agora», acrescentou.
Cortar financiamento à Rússia
«Portugal tem procurado apoiar a Ucrânia das formas mais diversas, ajudando a criar condições para que todos os países da União Europeia possam manter-se unidos no apoio ao sexto pacote de sanções» à Rússia - pacote que, a ser aprovado, se traduzirá num embargo às importações de produtos petrolíferos da Rússia.
António Costa disse que Portugal apoia um caminho europeu para o embargo total da compra de petróleo e gás à Rússia, um passo que Volodymyr Zelensky considerou essencial.
Todavia, muitos Estados-membros «não têm o grau de independência de Portugal relativamente ao gás e petróleo da Rússia», disse o Chefe do Governo português, acrescentando que «estamos a investir para criar condições logísticas para que esses países encontrem outras fontes de fornecimento de gás».
Estas alternativas permitirão a esses países «ultrapassar as dificuldades que têm em determinar aquilo que é essencial: um bloqueio total a todas as importações dos combustíveis provenientes da Rússia», que «é a forma mais eficaz de não continuar a financiar o esforço de guerra da Rússia», disse.
Apoio militar
Quanto ao apoio militar à Ucrânia, António Costa disse que Portugal fornece e vai fornecer material letal e não letal, referindo que no dia 20 aterrou na Polónia um avião com material militar.
Portugal tem procurado corresponder aos pedidos feitos pelas autoridades ucranianas, mas «muitas vezes não temos os recursos de que a Ucrânia necessita. É um esforço que não terminou e que vai continuar. Tomámos boa nota dos pedidos específicos da Ucrânia e vamos procurar ver se estão ao nosso alcance», acrescentou.
Reconstrução
António Costa afirmou que Portugal está disponível para participar na reconstrução da Ucrânia: «estamos disponíveis para patrocinar uma zona geográfica, mas pusemos à consideração do Presidente Zelensky uma outra solução: patrocinarmos a reconstrução de escolas e jardins de infância, porque é fundamental investir no futuro e garantir que as novas gerações ucranianas têm futuro na sua terra».
Além disto, «Portugal tem desenvolvido uma grande capacidade na renovação do seu próprio parque escolar» e seria «uma contribuição diferenciada que podemos dar e que corresponde aos interesses da Ucrânia. Mas cabe ao Governo ucraniano decidir».
Após a conferência de imprensa conjunta com o Presidente Zelensky e a reunião com o Primeiro-Ministro Denys Shmyhal, António Costa foi recebido pelo Presidente do Parlamento, Ruslan Stefanchuk, a quem expressou «profunda admiração pela coragem demonstrada pelo povo ucraniano na defesa da soberania, independência e integridade territorial do seu país», como escreveu no Twitter, acrescentando que «a sua luta é uma fonte de inspiração para todo o mundo».
Embaixada
O Primeiro-Ministro visitou também a Embaixada de Portugal em Kiev, que nunca fechou devido ao empenho do funcionário ucraniano que ali permaneceu e que teve um papel essencial no repatriamento de portugueses, luso-ucranianos e brasileiros nos primeiros dias de guerra. A sua dedicação foi reconhecida por Portugal com a atribuição, pelo Presidente da República, da Ordem da Liberdade, entregue a Andryi Putilovski por António Costa.
Ainda na Embaixada de Portugal - a que o Embaixador regressou -, o Primeiro-Ministro anunciou que o Chefe de Estado ucraniano convidou o Presidente da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, a visitar a Ucrânia.
«O que aconteceu aqui foi inadmissível»
O Primeiro-Ministro, que chegou à estação de caminho-de-ferro de Kiev ao princípio da manhã, afirmou que visita a Ucrânia para transmitir que Portugal «continua a apoiar a Ucrânia na luta muito dura que tem vindo a travar pelo seu direito à soberania, integridade territorial e pela conquista da paz».
António Costa deslocou-se em seguida a Irpin, uma localidade onde os ucranianos travaram a ofensiva russa em direção a Kiev, visitando áreas residenciais destruídas.
Uma secretária do Conselho Municipal de Irpin disse a António Costa que, dos 100 mil habitantes, cinco mil nunca abandonaram a cidade, apesar da elevada destruição de infraestruturas e, até agora, apenas 25 mil ali regressaram.
Depois de escutar relatos sobre o que aconteceu na cidade durante a fase mais intensa de guerra, António Costa afirmou-se «impressionado com a brutalidade do que aconteceu com as populações civis. Sabemos que a guerra é sempre dramática, mas a guerra tem regras. Aqui, já não estamos a falar de uma guerra normal, mas de atos verdadeiramente criminosos.
A atuação russa em Irpin «visou a pura destruição da vida das pessoas. É fundamental que as investigações prossigam e que todos os crimes de guerra sejam devidamente apurados e punidos. A guerra também tem de obedecer à lei. O que aconteceu aqui foi inadmissível», sublinhou.